A capacidade estática estimada de armazenagem de grãos do Brasil em 2021 era de 176 milhões de toneladas para uma produção de 254 milhões de toneladas, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), um déficit de 78 milhões de toneladas. No ano de 2022, houve aumento da capacidade de armazenamento de grãos para 188 milhões de toneladas (aumento de 6,82%, comparado a 2021), no entanto, houve também, aumento na safra de grãos no mesmo ano, para 271 milhões de toneladas (aumento de 6,69%, comparado a 2021) o que resultou em aumento no déficit de armazenagem de grãos para 83 milhões de toneladas.
No país, apenas 15,3% do total de armazéns estão estrategicamente acomodados em fazendas visando a redução de perdas e a manutenção da qualidade dos produtos. Para efeito comparativo segundo o U.S. DEPARTMENT OF AGRICULTURE, os Estados Unidos possuem 66% da capacidade estática de armazenagem de grãos dentro das fazendas, inclusive, o país oferece ao agricultor o Farm Storage Facility Loan Program (FSFL), programa de financiamento a juros baixos (3,75% a.a com prazo de empréstimo de até 12 anos) para que os produtores possam construir ou melhorar as instalações para armazenar commodities.
Além do déficit de armazenagem de 83 milhões de grãos, do baixo percentual de armazéns situados nas fazendas, há ainda o agravante de que diversos armazéns em operação estão em condições inadequadas, carecendo de reforma ou substituição.
O Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) tem sido importante ferramenta de apoio à ampliação de armazéns de grãos no Brasil, mas tem se mostrado, nos últimos anos, insuficiente na sua função, em razão do baixo volume de recursos disponibilizados e dos elevados custos de operação. Dados disponibilizados pela Conab revelam que, desde a sua criação em 2013 até os dias atuais, o acréscimo da participação das fazendas na capacidade de armazenagem de grãos nacional não ultrapassou a marca de 1 p.p (gráfico 1).
Com relação ao volume de recursos e custos, do Plano Safra 22/23, foi anunciado pelo Governo Federal um aporte de R$ 5,13 bilhões ao PCA, com taxas de juros de 7% ao ano para investimentos relativos à armazenagem com capacidade de até 6 mil toneladas, e de 8,5% ao ano para os demais investimentos, valores quase 2 vezes superiores aos praticados nos Estados Unidos para a mesma finalidade. Além disso, os valores desembolsados acabaram em poucos meses de operação.
Há gargalos, portanto, que precisam ser superados no que diz respeito ao déficit de armazenagem de grãos do Brasil que tem se mostrado persistente nos últimos anos. O PCA é importante ferramenta para redução deste déficit, mas carece de uma política perene de crédito suficiente e em condições adequadas, em termos de prazo e custos do financiamento, que favoreça os investimentos nas fazendas ou fora delas.
Fonte e elaboração: Conab
O Programa para Construção e Ampliação de Armazéns – PCA surgiu em 2013, no âmbito do Plano Safra, com objetivo de fomentar o crédito agrícola, visando a ampliação, modernização, reforma e construção de armazéns destinados à guarda de grãos, frutas, tubérculos, bulbos, hortaliças, fibras e açúcar, beneficiando produtores rurais pessoa física e jurídica e cooperativas de produtores rurais.
De acordo com o programa, neste ano, foi instituído um limite de financiamento de R$ 50 milhões para investimentos relativos a armazenagens de grãos, e de até R$ 25 milhões, para os demais itens financiáveis, que são: projetos para ampliação, modernização, reforma e construção de armazéns destinados à guarda de frutas, tubérculos, bulbos, hortaliças, fibras e açúcar.
O Programa contou na safra 2021/2022 com recursos divulgados na ordem de R$ 4,12 bilhões e na safra 2022/2023 foram divulgados recursos da ordem de R$ 5,13 bilhões, deste último R$ 1,4 bilhões a partir de autorização excepcional de uso de recursos à vista determinada pela Resolução CMN nº 5.028 de 29 de junho de 2022, este último com pouco interesse dos agentes financeiros (vide quadro 1).
AGENTES | PLANO SAFRA 2022/2023 | ||
PCA | PCA (até 6 mil ton.) | Total por Agente | |
BNDES | 514.484.000,00 | 317.523.000,00 | 832.007.000,00 |
BB | 1.200.000.000,00 | 1.000.000.000,00 | 2.200.000.000,00 |
CAIXA | 524.427.000,00 | 186.811.000,00 | 711.238.000,00 |
TOTAL | 2.238.911.000,00 | 1.504.334.000,00 | 3.743.245.000,00 |
Resolução 5.029 de 2022 | 1.386.755.000,00 | ||
Aporte previsto à linha PCA na safra 2022/2023 | 5.130.000.000,00 |
Para a safra de 2022/2023, em agosto de 2022 praticamente todo o recurso disponibilizado ao BNDES já estava contratado. No sistema SICOR do Banco Central do Brasil, onde são registradas todas as operações de crédito rural concedidos pelas instituições financeiras autorizadas, há um aparentemente descasamento entre o acolhimento de pedidos registrado pelo BNDES e sua efetiva contratação registrada pelo SICOR provavelmente em razão do processo de longa maturação. Os dados registrados em ambos os sistemas estão disponibilizados no gráfico 2, que traz um comparativo entre o fluxo de contratações para as operações dos Planos 2021/22 e 2022/23.
Fonte: Banco Central do Brasil (BCB) - Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop) - Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor) e BNDES.
Os dados contratados por beneficiários, disponibilizados pelo BNDES, mostram ainda um elevado nível de concentração de financiamentos em grupo reduzido de empresas. Figuram entre os maiores tomadores de recursos as cooperativas e usinas que ficaram entre os dez maiores empréstimos contratados desde o início do Programa (Tabela 1) e nos dois programas mais recentes (Tabela 2).
Tabela 1 - Ranking dos maiores empréstimos de recursos no PCA via BNDES
Fonte: Operações contratadas - BNDES, 2022; Elaboração: ABIMAQ, 2023.
Quando direcionamos a análise do Plano Safra 2022/2023 (tabela 2), verifica-se que os dez maiores tomadores de crédito entre julho e agosto de 2022, somam R$ 297 milhões, atingindo 44,82%, do valor total contratado no período, sendo que dos dez maiores tomadores, seis operações foram realizadas somente em agosto de 2022.
Tabela 2 - Principais tomadores de crédito no PCA
Fonte: Crédito Rural – Desempenho operacional - BNDES, 2022; Elaboração: ABIMAQ, 2023.
Neste ponto, cabe destacar que para além do PCA, o Plano Safra beneficia exclusivamente as cooperativas com o Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária - PRODECOOP, linha de crédito também voltada a “instalação, ampliação, realocação e modernização de unidades industriais, de armazenamento, de processamento e de beneficiamento, inclusive logística relacionada a essas atividades”. Esta linha específica para cooperativas financia até R$ 150 milhões por empresa, em uma ou mais operações dentro do mesmo ano agrícola, com até 10 anos para pagamento e até 3 anos de carência.
Essa informação é relevante, já que a limitação de recursos na linha PCA somada a concentração dos financiamentos em grandes projetos, em especial das cooperativas e usinas, limita o acesso do pequeno e médio agricultor à linha. A falta de pulverização do crédito voltado para a armazenagem de grãos em fazendas é, desta forma, limitada e prejudicada pelo atual modelo.
Com base nos fundamentos apresentados, entendemos que as propostas relacionadas a seguir são pertinentes e buscam uma reorientação do PCA à efetiva redução do déficit de armazenagem de grãos no Brasil ao ampliar e pulverizar o acesso ao crédito, facilitando a construção e ampliação de armazéns de grãos nos locais de produção (fazendas).
1. Manutenção do percentual financiado para até 100% para equipamentos e até 90% para obras complementares;
2. Fixar o limite por operação em até R$ 8 milhões para projetos até 6 mil toneladas, e em até R$ 30 milhões para projetos acima de 6 mil toneladas;
Considerações:
As experiências internacionais relacionada ao fornecimento de crédito para armazenagem de grãos, entre elas dos Estados Unidos e Canadá, permitem a capacidade estática de armazenamento maior do que a produção anual. Suas estruturas creditícias são baseadas sobremaneira no desenvolvimento de políticas públicas de fomento.
Os modelos dos EUA e Canadá convergem em um ponto fundamental, a questão das faixas diferenciadas com relação ao valor máximo e a cobrança de uma entrada/colateral/garantia para a tomada do empréstimo. Lá, os projetos mais expressivos são acolhidos pelo mercado privado.
3. Redução do prazo de pagamento para até 10 anos;
Considerações:
O modelo Norte-Americano conta com prazo de pagamento de 12 anos. No caso do Brasil, esta proposta demanda um período de até 10 anos (120 meses) porque considera o tempo médio de pagamento efetivamente concedido pelas instituições financeiras nos últimos três anos (gráfico 3), em média, abaixo de 120 meses, além do prazo médio de retorno do investimento.
Cabe destacar ainda, que prazos longos exigem provisionamento maior de subvenção que se reflete em menor quantidade de recursos para o efetivo financiamento de unidades armazenadoras de grãos.
Gráfico 3 - Número médio de meses de financiamento de unidades de
armazenagem de grãos pelo PCA
Fonte: BNDES, 2022; Elaboração: ABIMAQ, 2023.
4. Limitar o acesso ao crédito a uma operação por CPF ou CNPJ (grupo econômico) por ano safra;
5. Definir como limite para obras de infraestrutura até 50% do valor total financiado (montagem, elétrica e civil);
Considerações:
A elevada concentração de crédito num grupo de poucas empresas de grande porte no PCA e a possibilidade de mais de uma operação por ano safra, tem limitado o acesso dos agricultores de médio e pequeno porte, bem como, inviabilizado a necessária pulverização do crédito e consequente distribuição de unidades armazenadoras em todo território nacional.
6. Perenização do PCA;
7. Aporte de recursos da ordem de R$ 15 bilhões, de forma a evitar a ampliação do déficit de armazenagem no Brasil.
Considerações:
Cabe reforçar que o PCA, apesar de suas limitações frente ao desafio de se minimizar o déficit de armazenagem de grãos no Brasil, é uma ferramenta essencial, efetiva e acertada, e que ajustes, como os propostos neste documento, podem convergir no atingimento de seu objetivo estabelecido na sua criação em 2013. Sua efetiva perenização e aporte robusto de crédito, certamente, o colocaria como uma política de Estado com potencial de em pouco tempo reverter a curva de déficit existente (gráfico 4).
Gráfico 4 – Safra de grãos x capacidade estática de armazenagem (em milhões de toneladas)
Fonte: CONAB, 2022; Elaboração: ABIMAQ, 2023.
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